Dripping Hand, Fernando Poeiras

Dripping Hand

Fernando Poeiras, 2010

 

1. Primeira aproximação: o nome aponta para uma acção-objecto – acção instalada e acção sofrida. Mas, “dripping hand” é um fragmento, e um fragmento subtraído e diferido, naquilo que é “enunciado” nesta imagem-vídeo de Daniel Barroca: registo (subjectivo) de um acontecimento (alegórico) (instalado).

2. Movimento de concentração: a acção sofrida. Dripping hand descobre a co-materialidade entre um drama de destruição e as forças físicas a operarem nesta construção: erosão, gravidade, resistência e atrito. A substância dramática da peça não é recolhida no movimento cíclico da vida, ou na morte, seja a morte natural ou dada, mas numa acção, ou dramaturgia, física. No movimento físico da destruição consome-se a “alegoria” (e os seus múltiplos sentidos). Física elementar niilista.

3. Movimento (in)diferido: a (im)possível reprodução.   As formas do “registo” remetem normalmente para a construção do lugar “neutral” do espectador face a um objecto, desejavelmente na retórica do apagamento do espectador. A “documentação” do acontecimento dripping hand é atravessada pela presença de um olhar incorporado: câmara subjectiva ou construção do corpo-câmara em que o olhar segue o acontecimento – o movimento de destruição – e é vibrado pelos movimentos da presença do corpo: movimentos instáveis, movimentos de regulação da proximidade e vertigem. Estatuto paradoxal deste “espectador”: “reprodução” visual do acontecimento sofrendo as acções e reacções do corpo próprio.

4. Estação 1: nós: segundos “espectadores” de Dripping Hand. Nós somos o último elo nesta cadeia – montado pelo autor – de subtracção e diferimento. O que chega até nós? Se a pergunta pode ter lugar é porque Dripping Hand não se consume na positividade da sua ambígua construção vídeo. Possuímos a experiência que a obra constrói – e não nos é dada outra – que é também a experiência de uma ausência. Chegam-nos apenas fragmentos, escombros, restos e sobretudo a consciência sensível dos filtros… Na teoria estética muito tem sido escrito sobre a posição – de vários modos – privilegiada de liberdade e juízo do contemplador. A obra do Daniel Barroca faz-nos permanentemente suspeitar desse lugar “exterior” ao qual a “presença” sempre se subtrai e difere.

5. Estação 2: nós: ironias da contingência. O som directo capta simultaneamente China Girl – com função de fundo ambiente de trabalho, som “deslocado” de uma função no trabalho – e os movimentos ruidosos das acções desencadeadas no trabalho – função de registo. Assim, na construção vídeo, ao espectador chega uma única imagem sonora – em “registo duplo” – mas que opera um permanente des/fasamento com a “imagem”.

6. Vertigem: estamos no meio. Dripping Hand constrói-se sobretudo na “mise en abyme” de espaços, de meios de trabalho, e de corpos, das acções do e sobre os corpos. Envolvendo a imagem – e usamos a palavra “imagem” apenas para simbolizar a rede de relações construídas – há um afecto de desolação, de assolação trágica. Talvez a visão que alimente o trabalho de Daniel Barroca seja a de que o mundo é – ou é esse o seu estado – um limbo e o artista o (des)fazedor de velaturas. Paradoxo do artista, ou talvez, a sua pequena falta de congruência: seria preciso construir para expor essa condição destrutiva.