Resistência, Gisela Rosenthal

RESISTÊNCIA

Gisela Rosenthal, 2006

 

“Não posso imaginar o não-ser. O ser é sensação e imaginação. O não-ser seria algo que não seria sensação e imaginação. O imaginar não pode não imaginar, imaginar “embora”. (…) O não-ser não é imaginável.” (Friedrich Nietzsche)

 

1. Para Daniel Barroca, no início era a imagem. A imagem já lá estava, parece ter estado sempre e em constante formação/deformação de “manchas que se expandiam, compactavam e explodiam…   Um corpo em colapso, cuja existência dependia directamente da suspensão desse colapso no preciso instante em que a forma se colapsava.” (1) Filtrada e problematizada pelas sensações e emoções do artista, a imagem encontra no seu corpo uma espécie de campo de experiência da percepção em “suspensão do instante em que a linha da pele rebentava, e o interior fluía desordenadamente para fora.” (1) As suas imagens situam-se assim “no preciso instante em que o velho e o novo coexistiam num só.” (1) Uma estreita inter-relação entre percepção da imagem e da sua experiência directa pelas sensações, ambas realizadas no tempo e no espaço, define a linha trémula e insegura que o artista segue na sua reflexão, simultaneamente múltipla e una, sobre a imagem.

A exposição de Daniel Barroca, desdobra este seu incessante trabalho em volta da imagem em meia centena de desenhos e numa instalação com diapositivos intervencionados. Convergentes, os dois suportes obrigam-no, contudo, a um processamento da imagem bem diferente.

2. Na última sala da exposição, projectam-se oitenta imagens escuras. Provenientes da colecção de fotografias a preto e branco, abandonadas pelos seus autores, que o artista recuperou em alfarrabistas lisboetas e na Feira da Ladra, estas imagens alheias revelaram-se para Daniel Barroca como uma espécie de Caixa de Pandora. Originalmente as imagens de Estilhaço documentaram momentos felizes de famílias em meados do século passado, captados antes da invenção das câmaras super 8 e do vídeo. O artista intervém nelas com tinta-da-China, homogeneizando o seu fundo num denso craquelé, que recorta as figuras anónimas, agora desaparecidas por baixo de manchas negras vagamente antropomórficas. A imagem apropriada é submetida a processos de apagamento, destruição e dissolução que roçam os limites da sua existência ameaçando com o seu completo desaparecimento.

Em vão tentamos familiarizar-nos com os vultos negros, autonomizados, que se ausentam numa estranha presença e proximidade. O nosso olhar perscruta esta quase escuridão sem defesa contra sensações de perca definitiva e de luto que nos assaltam. Como colmatar a distância incomensurável entre esta ausência que é, simultaneamente, presença? Longínquas, estas formas informes tocam-nos de perto. Com a nossa mania do horror vacui, sempre prestes a substituir os buracos mais negros pela projecção de mil fantasmas, é-nos difícil de simplesmente perceber a imagem desconhecida / irreconhecível.

3. Este seu trabalho sistemático de redução da imagem onde o preto se alastra como ameaça de aniquilação total, mais óbvio em vídeos anteriores e nesta instalação, encontra, paradoxalmente, uma expressão ainda mais ambígua nos desenhos, ou melhor, nos vestígios que ficam do acto de desenhar de Daniel Barroca. Sem referência a imagens noutros suportes, pode ficar a dúvida se o pincel e o gouache ou o carvão não se arriscam, pelo contrário, na prática de um constante devir, num eterno momento de configuração das coisas antes que os nomes e os olhares as cristalizem. Mas a grande coerência da obra, patente por entre os diferentes tratamentos da imagem, confirma que, mais do que de um criar ex nihilo, trata-se de um desfazer do trabalho de uma Penélope qualquer que, com uma teia densa e impenetrável cobriu há muito o fundo que é anterior e origem de todas as imagens sem ser, ele, imagem.

Seja como for, os desenhos mantêm-se neste movimento perpétuo, neste acto contínuo do criar e desfazer, salvando o tesouro roubado, por um lado, do seu regresso fatal ao caos, por outro, da sua profanação na fixação pela convenção do olhar vigente neste mundo. É este o prodígio do desenho de Daniel Barroca, onde a mancha e o traço deixados pela mão, oscilam por entre a cristalização e o informe, num equilíbrio ténue e precário, que remete, com grande naturalidade, para a unicidade primordial, para esse fundo misterioso donde nascem todas as coisas e onde todas as coisas se dissolvem.

4. Ainda neste seu último limiar, a imagem confirma o seu poder ilimitado sobre nós. Transforma-se assim, na sua permanente decepção das nossas expectativas de re-conhecer algo, num antídoto contra a voracidade das imagens na nossa contemporâneidade. Iludindo a nossa percepção convencional, as imagens de Daniel Barroca ligam ao questionamento desta última um momento de perplexidade que, como um relâmpago, banha em luz um vasto campo de percepção pouco explorado.

 

(1) Ver texto de Daniel Barroca neste catálogo

 

in:

“Estilhaço”, Fundação Carmona e Costa / Assírio & Alvim

ISBN 972-37-1081-1

 

 

 

 

WIDERSTAND

Gisela Rosenthal, 2006

 

 

“Ich kann mir das Nichtsein nicht vorstellen. Das Sein ist Empfindung und Vorstellung. Das Nichtsein wäre demnach etwas, das nicht Empfindung und nicht Vorstellung ist. Die Vorstellung kann nicht nicht vorstellen, weg vorstellen. (…) Das Nichtsein ist nicht vorstellbar.” (Friedrich Nietzsche)

 

1. Für Daniel Barroca war am Anfang das Bild. Das Bild war schon da, scheint immer schon in ständiger Formung und Auflösung von “Flecken, die sich ausbreiteten, sich verdichteten und explodierten…” dagewesen zu sein. Es ist “ein Körper der zusammenbrach, dessen Existenz davon abhing,den Augenblick des Zusammenbruchs in genau dem Augenblick in der Schwebe zu halten, in dem die Form in sich zusammenbrach.” (Die Zitate stammen aus einem Text des Künstlers). Das durch die Empfindungen und Gefühle des Künstlers gefilterte und problematisierte Bild findet in seinem eigenen Körper eine Art Versuchsfeld der Wahrnehmung und wird “in dem Augenblick in der Schwebe gehalten, in dem die Linie der Haut aufbrach und das Innere ungeordnet herausfloss.” Seine Bilder haben so ihren Ort ”in dem genauen Augenblick, in dem das Alte und das Neue nebeneinanderbestehen und zu einem Einzigen werden.” Eine enge Bindung zwischen Bildwahrnehmung und den von ihr hervorgerufenenen Erfahrungen, die sich beide in Zeit und Raum abspielen, bezeichnet die zittrige, insichere Linie, der der Künstler in seinen vielfältigen und doch einheitlichen Überlegungen zum Bild folgt.

Die Ausstellungfächert dieses unaufhörliche Arbeiten am Bild in einem halben hundert Zeichnungen und einer Installation mit Diapositiven auf.          Trotz ihren Gemeinsamkeiten zwingen die beiden Techniken zu einer sehr unterschiedlichen Bildbearbeitung.

2. Im letzten Raum der Ausstellung werden 80 dunkle Bilder projeziert. Sie stammen aus der Sammlung von Schwarz-Weiss- Fotografien, die der Künstler bei Lissabonner Antiquitätenhändlern und auf der Feira da Ladra, dem Lissabonner Flohmarkt erstanden hat. Diese ihm fremden Bilder wurden für den Künstler zu einer Art Büchse der Pandora. Ursprünglich hielten die Bilder der Installation Splitter glückliche Momente aus dem Leben von Familien fest, die um die Mitte des vergangenen Jahrhunderts vor der Erfindung der Super 8 und Video Kameras entstanden. Der Künstler bearbeitet sie mit Pinsel und chinesischer Tusche und verwandelt so die Hintergründe in ein dichtes craquelé, auf dem die anonymen, halb unter schwarzen Flecken verschwundenen Figuren zu verschwommenen antropomorphen Formen werden. Die Bilder, die er sich angeeignet hat, werden verschiedenen Prozessen des Auslöschens, der Zerstörung und Auflösung unterworfen, die bis an die Grenzen ihrer Existenz gehen und ihr völliges Verschwinden riskieren.

Ohne Erfolg versuchen wir uns mit den schwarzen, sich    verselbständigenden Gestalten vertraut zu machen, die in ihrer seltsamen Gegenwärtigkeit und Nähe doch abwesend sind. Unser Blick durchdringt diese Dunkelheit ohne Halt zu finden gegen Gefühle endgültigen Verlusts und Trauer, die uns zu überwältigen drohen. Wie ist es möglich diese unermessliche Distanz zwischen dieser Abwesenheit, die gleichzeitig Präsenz ist, zu überbrücken? Aus der Ferne berühren uns dies unförmigen Formen doch unmittelbar. Unser ständiges Gefühl des         horror vacui ist nur allzu bereit die schwärzesten Löcher durch          Projektionen von tausenden von Fantasiebildern zu füllen. Es fällt uns          schwer, einfach das unbekannte / unkenntliche Bild wahrzunehmen.

3. Diese systematische Arbeit an der Reduzierung des Bildes bei der das sich ausbreitende Schwarz mit seinem völligen Auslöschen droht, ist in dieser Installation und in früheren Videos offensichtlicher, findet jedoch auch einen fast noch widerspruchsvolleren Ausdruck in den Zeichnungen oder, um es genauer zu sagen, in den Spuren, die vom Zeichenakt Daniel Barrocas auf dem Papier zurückbleiben. Ohne den Hinweis auf Bilder in anderen Techniken, kann bei den Videos und Installationen Zweifel aufkommen, ob Pinsel und Tusche oder Kohle nicht riskieren in ihrer Praxis eines ständigen Werdens und Vergehens, im ewigen Augenblick der Formung der Dinge, bevor Namen und Blicke sie kristallisieren, in der Schwebe zu bleiben. Aber die strenge Koherenz des Werkes, die bei allen verschiedenartigen Bildbehandlungen offensichtlich bleibt, bestätigt dass es sich hier nicht um ein Schaffen ex nihilo handelt, sondern um das Auftrennen der Arbeit irgendeiner Penelope, die vor langer Zeit den Urgrund, der Urspung aller Bilder ist, ohne selbst Bild zu sein, mit einem dichten und undurchdringlichen Gewebe bedeckt hat.

So verbleiben die Zeichnungen in ständiger Bewegung, in einem fortdauernden Akt des Schaffens und Zerstörens und retten den geborgenen Schatz einerseits vor der drohenden Rückkehr ins Chaos, andererseits vor der Entweihung in der Fixierung durch die Konvention        der in der Welt vorherrschenden Wahrnehmung. Das ist das Wunder der Zeichnungen von Daniel Barroca, wo die von der Hand hinterlassenen Flächen und Striche zwischen Kristallisation und Formlosigkeit in einem labilen und schwankenden Gleichgewicht schweben, das mit grosser Selbstverständlichkeit auf die urspüngliche Einheit verweist, auf den geheimnisvollen Grund aus dem alle Dinge hervorgehen und in den alle Dinge zurückkehren.

4. Auch an dieser letzten Schwelle behält das Bild seine unbegrenzte Macht über uns. Es verwandelt sich so, uns ständig täuschend in unserer Erwartung etwas zu erkennen, in ein Gegengift gegen die unersättliche Gefrässigkeit der Bilder unserer Gegenwart. Indem sie unsere konventionelle Wahrnehmung ausser Gefecht setzen, verbinden sie ihr Infragestellen des Bildes an sich mit einem Augenblick des bestürzten Innehaltens der, wie ein Blitz, ein weites, wenig erkundetes Wahrnehmungsfeld ans Licht bringt.